Fonte: Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, dia 18 de julho de 2012
Igreja completa 390 anos de cara nova
SÃO MIGUEL PAULISTARestauração da capela mais antiga da capital, na zona leste, descobriu pinturas de 250 anos

Igreja mais antiga de São Paulo, a Capela de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista, na zona leste, completa hoje 390 anos. E tem muito para comemorar: depois das obras iniciadas em 2006, a construção de 1622 foi totalmente restaurada, ganhou museu e ainda viu a redescoberta de duas pinturas murais que estavam escondidas atrás de altares havia pelo menos 250 anos.
Para entender a história do local, é preciso voltar aos primeiros anos da cidade. Em 1560, índios guaianás se desentenderam com os colonos da então Vila de São Paulo de Piratininga. Comandados por Piquerobi, irmão do conhecido cacique Tibiriçá – aliado dos padres jesuítas –, eles caminharam 20 km ao leste e criaram uma nova aldeia, batizada de Ururaí.
Receosa de perder esses índios, a Companhia de Jesus delegou ao padre José de Anchieta a missão de reencontrá-los. Um percurso difícil à época, parte por terra, parte pelo Rio Tietê. Quando chegou ao local, o religioso tratou de renomear o povoado como São Miguel de Ururaí. Ali ergueu uma pequena capela, de bambu e sapé. Nascia o bairro de São Miguel Paulista.
A rudimentar construção religiosa deu lugar, décadas mais tarde, a uma nova igrejinha de taipa de pilão. É esta, de 1622, que vence o tempo e resiste até hoje – tombada por Iphan, Condephaat e Conpresp, respectivamente os órgãos federal, estadual e municipal de proteção ao patrimônio.

Restauro. A histórica capela passou por um longo processo de restauração, dividido em duas etapas. Na primeira fase, que durou de 2006 a 2009, a meta foi recuperar o edifício estruturalmente. “Havia problemas elétricos, hidráulicos e de infiltração de água”, lembra o gestor do local, Alexandre Galvão. Foram investidos R$ 3 milhões, bancados pela iniciativa privada.
Paralelamente a esse trabalho, uma equipe de arqueólogos e historiadores se debruçou sobre fatos, documentos e registros para que, pela primeira vez, a história da capela fosse recuperada de forma oficial. “No Vaticano, descobrimos cartas de Anchieta a outros jesuítas que nos ajudaram a entender como o povoado nasceu e como a primeira igrejinha foi feita”, conta Galvão. A carta mais antiga encontrada foi escrita em 12 de outubro de 1561.
Todo esse material fez com que os administradores do templo vislumbrassem a instalação de um museu. Nascia então a segunda fase do projeto, orçada em R$ 2,8 milhões e iniciada em 2009. “Passamos a recuperar as imagens esculturais”, diz Galvão. “Quando restaurávamos os altares, descobrimos, escondidas atrás de dois deles, pinturas murais que estavam ocultas e ao mesmo tempo protegidas”, relata o restaurador Julio Moraes. “Foi uma importante surpresa.”
Essas pinturas estão sendo cuidadosamente restauradas. “O trabalho deve ser concluído em novembro”, estima Moraes. Acredita-se que esses murais tenham sido pintados no século 17. E estavam cobertos pelos altares desde cerca de 1760.
Quem quiser conferir essas obras, entretanto, precisa se apressar. Concluído o processo de restauro, elas deverão ser novamente “escondidas” pelos altares, por determinação dos órgãos de proteção do patrimônio. Mas haverá reprodução fotográfica delas no museu, que está aberto desde 2010 e atrai cerca de 400 pessoas por mês.
>> Arquiteto e historiador Benedito Lima de Toledo comenta a história da igreja.

Serviço
Capela (e Museu) de São Miguel Arcanjo: Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, s/nº, São Miguel Paulista. Visitação: de quinta a sábado, das 10h às 12h e das 13h às 16. Às quintas e sextas, é preciso agendar visita pelo telefone (11) 2032-3921 ou pelo e-mail capela.visitacao @hotmail.com. Ingressos: R$ 4. Mais informações: http://capeladesaomiguelarcanjo.blogspot.com.br
Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, dia 18 de julho de 2012
18.julho.2012 00:30:30
A capela mais antiga da cidade
Por Benedito Lima de Toledo*
A capela de São Miguel Paulista ostenta na verga de sua porta principal a inscrição: “Aos 18 de Julho de 1622 – S. Miguel”.
Com seus respeitáveis 390 anos de vida, essa capela conta em seu
interior com “uma das primeiras e mais autênticas expressões de arte
brasileira”, segundo Lúcio Costa. Por sua importância, foi o primeiro
bem cultural em todo país a merecer, em 1938, o tombamento pelo SPHAN
(Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), seguido
posteriormente pelo CONDEPHAAT (1974) e pelo CONPRESP (1991).
São Miguel e Itaquaquecetuba eram alguns portos que foram se
consolidando ao longo do Rio Tietê. A navegação fluvial constituía um
essencial meio de comunicação. A partir do Porto Geral, situado junto ao
Pátio do Colégio, os padres da Companhia atingiram regiões distantes,
onde estabeleciam núcleos de catequização.
“A canoa foi o veículo do colonizador”, observa Leonardo Arroyo.
Anchieta na sua Informação do Brasil e de suas capitanias (1584) cita
que “a técnica e utilização de canoas feitas rapidamente, em poucos
minutos, com a simples extração da casca de árvores e, em seguida, por
meio do fogo, ajustando as pontas da casca (…), não poucos problemas
eram resolvidos a contento”.
Anchieta, em toda sua existência, revelou-se incansável andarilho.
Aprendeu a fabricar alpercatas, indispensáveis em terra onde não
resistiam os sapatos “de coiro”, como se recorda, e foi o responsável
pela abertura de um caminho pioneiro entre Cubatão e São Paulo que ficou
conhecido como Caminho do Padre José.
Há referências à Aldeia de São Miguel de Ururaí em 1560, onde teria
surgido uma capela de São Miguel Arcanjo erigida sob a orientação do
padre José de Anchieta.
Sérgio Buarque de Holanda em Capelas Antigas de São Paulo
pondera: “Nada indica que a igreja hoje existente na localidade seja a
mesma que se ergueu na segunda metade do século 16. Sabe-se que pouco
depois do ano de 1620 mudaram-se para ali, em grande número, índios de
Itaquaquecetuba. O padre Francisco Morais (…) encontrou essa mudança
efetuada quando veio de volta para São Paulo em 1624. Assim a
transferência se fez entre 1620 e 1624. Nessa ocasião teria sido
construída a capela hoje existente. O que condiz com a inscrição que
ainda se lê gravada no batente superior da porta principal: “Aos 18 de
Julho de 1622 – S. Miguel”.
São Paulo deve a construção da igreja hoje existente ao padre José
Álvares, realizada com recursos fornecidos por Fernando Munhoz, conforme
consta em seu testamento.
Após a expulsão dos jesuítas (1759) a aldeia passou à jurisdição dos
frades franciscanos. A essa época, o Superior da aldeia (1781) era o
célebre botânico frei José Mariano da Conceição Veloso, autor da obra Quinografia Portuguesa (1799).
A capela edificada em taipa de pilão, técnica muito difundida em São
Paulo e notabilizada por sua solidez, contava com pé direito de quatro
metros. Resolveu-se, então, realizar um alteamento da nave, passando
esta a seis metros. Teria sido operação complexa. Foram introduzidos
pilares adoçados às paredes laterais e a técnica utilizada nessa
complementação foi o adobe (tijolos secos ao sol).
Nessa ocasião, uma capela foi edificada na lateral direita (1780) e o
interior ganhou altares colaterais e pinturas. Os franciscanos
mantinham contíguo à nave o chamado hospício destinado a acolher
viajantes por dois ou três dias, “tendo para todos no dito hospício
suficiente cômodo, assim de celas como refeitório, e mais oficinas”. O
acesso se fazia diretamente pelo alpendre frontal. Atualmente o hospício
cedeu lugar a um corredor lateral gradeado.
O alpendre, tão característico da arquitetura bandeirista, dos
séculos 16 e 17, domina a composição e marca a imagem do monumento.
No momento, o interior de São Miguel está recebendo um cuidadoso
trabalho de restauração. As pinturas em suas diversas modalidades de
suporte ganham nova vida, dando coerência ao conjunto e estão sendo
objeto de pesquisa por especialistas.
A capela de São Miguel foi implantada em um terreno elevado, cerca de
15 metros acima da cota do Rio Tietê e dele distante cerca de 500
metros. Em sua fase de uso regular, o porto contava com um renque de
palmeiras imperiais assinalando o local de ancoragem. Essa relação do
porto fluvial com a capela foi sendo, ao longo do tempo, seriamente
prejudicada pela interposição de construções sem maior interesse.
Dada a relevância do monumento e sua posição na história das
comunicações fluviais em São Paulo, impõe-se o restabelecimento desse
quadro de relações que compõem o sítio original. “Um monumento não pode
ser desvinculado de seu quadro natural” (UNESCO).
Carregado com os méritos apontados por Lúcio Costa, esse precioso acervo está a merecer a devida consideração.
* O arquiteto e historiador Benedito Lima de Toledo é professor
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Bibliografia consultada
ARROYO, Leonardo. Introdução. In: ANCHIETA, José de. Informação do Brasil e de suas capitanias (1584). São Paulo: Ed. Obelisco, 1964.
BOMTEMPI, Sylvio. O bairro de São Miguel Paulista. São Paulo: Prefeitura Municipal/Dep. de Cultura, 1970.
COSTA, Lúcio. A arquitetura dos jesuítas no Brasil. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n.5, 1941. p. 9-100.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capelas antigas de São Paulo. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n.5, 1941. p. 105-20.
PETRONE, Pasquale. Aldeamentos paulistas. São Paulo: Edusp, 1995.
ARROYO, Leonardo. Introdução. In: ANCHIETA, José de. Informação do Brasil e de suas capitanias (1584). São Paulo: Ed. Obelisco, 1964.
BOMTEMPI, Sylvio. O bairro de São Miguel Paulista. São Paulo: Prefeitura Municipal/Dep. de Cultura, 1970.
COSTA, Lúcio. A arquitetura dos jesuítas no Brasil. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n.5, 1941. p. 9-100.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capelas antigas de São Paulo. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n.5, 1941. p. 105-20.
PETRONE, Pasquale. Aldeamentos paulistas. São Paulo: Edusp, 1995.
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