segunda-feira, 17 de setembro de 2012

TIREOIDITE CRÔNICA AUTOIMUNE E OS MORADORES DA REGIÃO DO POLO PETROQUÍMICO DE CAPUAVA

Comentários de Moisés Basílio

O nosso bairro, Conjunto Mascarenhas de Moraes, faz parte dessa região. Daqui do alto da colina avistamos todos os dias as chamas que vem lá da Petroquímica de Capuava. O que agora sabemos é que além da luz emanada pelas chamas, também vem a poluição de elementos químicos que causam doenças. Vamos ficar de olho vivo nas próximas consultas médicas. 


Morador de área petroquímica tem mais doença na tireoide

Fonte: Sitio do Jornal O Estado de S. Paulo, 17 de setembro de 2012 | 10h 49

MARIANA LENHARO - Agência Estado
O aparecimento de casos atípicos de tireoidite crônica autoimune no consultório da endocrinologista Maria Angela Zaccarelli-Marino, em Santo André, fez a especialista desconfiar que a incidência da doença era mais alta na região próxima ao Polo Petroquímico de Capuava. Depois de 15 anos investigando o tema, a professora da Faculdade de Medicina do ABC concluiu que moradores da área tinham incidência cinco vezes maior da doença.
O complexo, que fica na divisa entre Santo André, Mauá e São Paulo, reúne 14 indústrias que fabricam subprodutos de petróleo. De 1989 a 2004, a pesquisadora selecionou 6.306 pacientes que buscaram avaliação endocrinológica em seu consultório. Ela os dividiu em dois grupos conforme a região de residência.
O primeiro, com 3.356 pacientes, era proveniente dos arredores do Polo Petroquímico. Já o segundo, de 2.950 pacientes, vinha de outra área industrial distante 8,5 km da primeira região, porém sem a presença de petroquímicas. Ao fim do estudo, 905 pacientes do primeiro grupo (ou 26,9%) foram diagnosticados com a doença. Já no segundo grupo, 173 (ou 5,1%) tiveram o diagnóstico. A tireoidite crônica autoimune é a principal causa de hipotireoidismo.
Os resultados foram publicados em maio na revista científica Journal of Clinical Immunology. Ao longo do estudo, a pesquisadora fez notificações sobre a situação às secretarias municipais de saúde e ao Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da Secretaria Estadual da Saúde.
A pedido do promotor de Meio Ambiente de Santo André José Luiz Saikali, o CVE fez um estudo próprio para verificar o problema. O órgão analisou 1.533 voluntários das duas regiões. Enquanto 9,3% do primeiro grupo tinha tireoidite, apenas 3,9% do segundo grupo apresentava o problema. Os dados foram publicados na revista Environmental Research.
Além dos exames que já estavam presentes no estudo de Maria Angela, o CVE fez testes para dosar o iodo nesses voluntários. Havia a possibilidade de o aumento de casos da doença estar ligado a um consumo maior de iodo. "O CVE constatou que não era o iodo. Isso me deu uma certa tranquilidade, pois o estudo foi muito contestado", diz Maria Angela.
"Ninguém havia falado antes em tireoidite crônica autoimune provocada pelo ambiente. Sugiro uma nova denominação: tireoidite química autoimune", afirma a pesquisadora, que agora está iniciando um trabalho para identificar quais seriam os agentes químicos que desencadeariam a doença.
Para o imunologista Eduardo Finger, que tem pós-doutorado na área pela Escola de Medicina de Harvard e é chefe do departamento de pesquisa do SalomãoZoppi Diagnósticos, ainda é preciso determinar o que provoca a doença. "É preciso encontrar o poluente químico que tenha relação comprovada com a doença."
Consequências
A tireoidite crônica autoimune só começa a dar sintomas quando se instala o hipotireoidismo, diminuição da produção dos hormônios da tireoide. Os sinais são sonolência, queda de cabelo, pele seca, batimentos cardíacos mais lentos. Crianças podem parar de crescer e até desenvolver retardo mental. O tratamento, porém, é simples e envolve a reposição diária do hormônio tireoidiano.
A profissional de informática Noemi Lucena Silva, de 21 anos, descobriu a doença aos 9 anos. Ela mora ao lado de uma das indústrias petroquímicas. "Minha casa é literalmente ao lado da fábrica." Recentemente, a mãe de Noemi também foi diagnosticada com problemas na tireoide. Procurada pela reportagem, a Petrobras não comentou as conclusões do estudo. 
Irmãs vizinhas de indústria desenvolveram problema
As irmãs Gilda Buccini Martins, de 58 anos, e Sueli Buccini de Oliveira, de 52, moram lado a lado em casas geminadas no Jardim Santo Alberto, em Santo André, próximo ao Polo Petroquímico de Capuava. As duas são vítimas da poluição do entorno.
Gilda descobriu que tinha tireoidite crônica autoimune aos 50 anos. Sueli descobriu a doença com a mesma idade. No caso da filha de Sueli, de apenas 23 anos, a doença se manifestou mais cedo: há menos de um mês, ela teve de se submeter a uma operação para retirar um nódulo da tireoide.
Cansaço. Gilda conta que começou a se perceber mais cansada, com o cabelo mais fino e a pele seca, mas atribuía tudo à menopausa. Foi quando sua ginecologista pediu uma série de exames e percebeu a alteração da tireoide em um deles.
"Ficava encafifada, queria saber qual era a razão desse problema, queria saber de onde veio essa doença. Foi quando descobri que estavam fazendo uma pesquisa por aqui que relacionava o problema com a poluição."
A dona de casa relata que, por causa da indústria, o quintal sempre fica cheio de pó preto. "Às vezes, ela solta labaredas altas. Sai uma fumaça bem preta, depois começa a ficar cinza claro. A gente não consegue nem respirar direito. Mas eu não vou me mudar daqui. Quando você constrói a sua casa, constrói com amor e carinho."
O diagnóstico da auxiliar de enfermagem Nadia Fachini, de 56 anos, veio quando ela tinha 44. Ela resolveu ir ao médico porque estava obesa.
"A gente sempre teve medo dessa poluição. Tem dias em que começa a cair espuma do céu. Quando passamos mais perto, ficamos com o nariz ardendo", diz. Hoje ela faz tratamento com hormônio e controla com exames a cada três meses. / M.L.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

CAPELA DE S. MIGUEL ARCANJO É RESTAURADA

  Fonte: Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, dia 18 de julho de 2012

Igreja completa 390 anos de cara nova

 SÃO MIGUEL PAULISTA
Restauração da capela mais antiga da capital, na zona leste, descobriu pinturas de 250 anos

Igreja mais antiga de São Paulo, a Capela de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista, na zona leste, completa hoje 390 anos. E tem muito para comemorar: depois das obras iniciadas em 2006, a construção de 1622 foi totalmente restaurada, ganhou museu e ainda viu a redescoberta de duas pinturas murais que estavam escondidas atrás de altares havia pelo menos 250 anos.
Para entender a história do local, é preciso voltar aos primeiros anos da cidade. Em 1560, índios guaianás se desentenderam com os colonos da então Vila de São Paulo de Piratininga. Comandados por Piquerobi, irmão do conhecido cacique Tibiriçá – aliado dos padres jesuítas –, eles caminharam 20 km ao leste e criaram uma nova aldeia, batizada de Ururaí.
Receosa de perder esses índios, a Companhia de Jesus delegou ao padre José de Anchieta a missão de reencontrá-los. Um percurso difícil à época, parte por terra, parte pelo Rio Tietê. Quando chegou ao local, o religioso tratou de renomear o povoado como São Miguel de Ururaí. Ali ergueu uma pequena capela, de bambu e sapé. Nascia o bairro de São Miguel Paulista.
A rudimentar construção religiosa deu lugar, décadas mais tarde, a uma nova igrejinha de taipa de pilão. É esta, de 1622, que vence o tempo e resiste até hoje – tombada por Iphan, Condephaat e Conpresp, respectivamente os órgãos federal, estadual e municipal de proteção ao patrimônio.

Restauro. A histórica capela passou por um longo processo de restauração, dividido em duas etapas. Na primeira fase, que durou de 2006 a 2009, a meta foi recuperar o edifício estruturalmente. “Havia problemas elétricos, hidráulicos e de infiltração de água”, lembra o gestor do local, Alexandre Galvão. Foram investidos R$ 3 milhões, bancados pela iniciativa privada.
Paralelamente a esse trabalho, uma equipe de arqueólogos e historiadores se debruçou sobre fatos, documentos e registros para que, pela primeira vez, a história da capela fosse recuperada de forma oficial. “No Vaticano, descobrimos cartas de Anchieta a outros jesuítas que nos ajudaram a entender como o povoado nasceu e como a primeira igrejinha foi feita”, conta Galvão. A carta mais antiga encontrada foi escrita em 12 de outubro de 1561.
Todo esse material fez com que os administradores do templo vislumbrassem a instalação de um museu. Nascia então a segunda fase do projeto, orçada em R$ 2,8 milhões e iniciada em 2009. “Passamos a recuperar as imagens esculturais”, diz Galvão. “Quando restaurávamos os altares, descobrimos, escondidas atrás de dois deles, pinturas murais que estavam ocultas e ao mesmo tempo protegidas”, relata o restaurador Julio Moraes. “Foi uma importante surpresa.”
Essas pinturas estão sendo cuidadosamente restauradas. “O trabalho deve ser concluído em novembro”, estima Moraes. Acredita-se que esses murais tenham sido pintados no século 17. E estavam cobertos pelos altares desde cerca de 1760.
Quem quiser conferir essas obras, entretanto, precisa se apressar. Concluído o processo de restauro, elas deverão ser novamente “escondidas” pelos altares, por determinação dos órgãos de proteção do patrimônio. Mas haverá reprodução fotográfica delas no museu, que está aberto desde 2010 e atrai cerca de 400 pessoas por mês.
>> Arquiteto e historiador Benedito Lima de Toledo comenta a história da igreja.

Serviço
Capela (e Museu) de São Miguel Arcanjo: Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, s/nº, São Miguel Paulista. Visitação: de quinta a sábado, das 10h às 12h e das 13h às 16. Às quintas e sextas, é preciso agendar visita pelo telefone (11) 2032-3921 ou pelo e-mail capela.visitacao @hotmail.com. Ingressos: R$ 4. Mais informações: http://capeladesaomiguelarcanjo.blogspot.com.br
Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, dia 18 de julho de 2012

18.julho.2012 00:30:30

A capela mais antiga da cidade

Por Benedito Lima de Toledo*
A capela de São Miguel Paulista ostenta na verga de sua porta principal a inscrição: “Aos 18 de Julho de 1622 – S. Miguel”.
Com seus respeitáveis 390 anos de vida, essa capela conta em seu interior com “uma das primeiras e mais autênticas expressões de arte brasileira”, segundo Lúcio Costa. Por sua importância, foi o primeiro bem cultural em todo país a merecer, em 1938, o tombamento pelo SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), seguido posteriormente pelo CONDEPHAAT (1974) e pelo CONPRESP (1991).
São Miguel e Itaquaquecetuba eram alguns portos que foram se consolidando ao longo do Rio Tietê. A navegação fluvial constituía um essencial meio de comunicação. A partir do Porto Geral, situado junto ao Pátio do Colégio, os padres da Companhia atingiram regiões distantes, onde estabeleciam núcleos de catequização.
“A canoa foi o veículo do colonizador”, observa Leonardo Arroyo. Anchieta na sua Informação do Brasil e de suas capitanias (1584) cita que “a técnica e utilização de canoas feitas rapidamente, em poucos minutos, com a simples extração da casca de árvores e, em seguida, por meio do fogo, ajustando as pontas da casca (…), não poucos problemas eram resolvidos a contento”.
Anchieta, em toda sua existência, revelou-se incansável andarilho. Aprendeu a fabricar alpercatas, indispensáveis em terra onde não resistiam os sapatos “de coiro”, como se recorda, e foi o responsável pela abertura de um caminho pioneiro entre Cubatão e São Paulo que ficou conhecido como Caminho do Padre José.
Há referências à Aldeia de São Miguel de Ururaí em 1560, onde teria surgido uma capela de São Miguel Arcanjo erigida sob a orientação do padre José de Anchieta.
Sérgio Buarque de Holanda em Capelas Antigas de São Paulo pondera: “Nada indica que a igreja hoje existente na localidade seja a mesma que se ergueu na segunda metade do século 16. Sabe-se que pouco depois do ano de 1620 mudaram-se para ali, em grande número, índios de Itaquaquecetuba. O padre Francisco Morais (…) encontrou essa mudança efetuada quando veio de volta para São Paulo em 1624. Assim a transferência se fez entre 1620 e 1624. Nessa ocasião teria sido construída a capela hoje existente. O que condiz com a inscrição que ainda se lê gravada no batente superior da porta principal: “Aos 18 de Julho de 1622 – S. Miguel”.
São Paulo deve a construção da igreja hoje existente ao padre José Álvares, realizada com recursos fornecidos por Fernando Munhoz, conforme consta em seu testamento.
Após a expulsão dos jesuítas (1759) a aldeia passou à jurisdição dos frades franciscanos. A essa época, o Superior da aldeia (1781) era o célebre botânico frei José Mariano da Conceição Veloso, autor da obra Quinografia Portuguesa (1799).
A capela edificada em taipa de pilão, técnica muito difundida em São Paulo e notabilizada por sua solidez, contava com pé direito de quatro metros. Resolveu-se, então, realizar um alteamento da nave, passando esta a seis metros. Teria sido operação complexa. Foram introduzidos pilares adoçados às paredes laterais e a técnica utilizada nessa complementação foi o adobe (tijolos secos ao sol).
Nessa ocasião, uma capela foi edificada na lateral direita (1780) e o interior ganhou altares colaterais e pinturas. Os franciscanos mantinham contíguo à nave o chamado hospício destinado a acolher viajantes por dois ou três dias, “tendo para todos no dito hospício suficiente cômodo, assim de celas como refeitório, e mais oficinas”. O acesso se fazia diretamente pelo alpendre frontal. Atualmente o hospício cedeu lugar a um corredor lateral gradeado.
O alpendre, tão característico da arquitetura bandeirista, dos séculos 16 e 17, domina a composição e marca a imagem do monumento.
No momento, o interior de São Miguel está recebendo um cuidadoso trabalho de restauração. As pinturas em suas diversas modalidades de suporte ganham nova vida, dando coerência ao conjunto e estão sendo objeto de pesquisa por especialistas.
A capela de São Miguel foi implantada em um terreno elevado, cerca de 15 metros acima da cota do Rio Tietê e dele distante cerca de 500 metros. Em sua fase de uso regular, o porto contava com um renque de palmeiras imperiais assinalando o local de ancoragem. Essa relação do porto fluvial com a capela foi sendo, ao longo do tempo, seriamente prejudicada pela interposição de construções sem maior interesse.
Dada a relevância do monumento e sua posição na história das comunicações fluviais em São Paulo, impõe-se o restabelecimento desse quadro de relações que compõem o sítio original. “Um monumento não pode ser desvinculado de seu quadro natural” (UNESCO).
Carregado com os méritos apontados por Lúcio Costa, esse precioso acervo está a merecer a devida consideração.
* O arquiteto e historiador Benedito Lima de Toledo é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Bibliografia consultada
ARROYO, Leonardo. Introdução. In: ANCHIETA, José de. Informação do Brasil e de suas capitanias (1584). São Paulo: Ed. Obelisco, 1964.
BOMTEMPI, Sylvio. O bairro de São Miguel Paulista. São Paulo: Prefeitura Municipal/Dep. de Cultura, 1970.
COSTA, Lúcio. A arquitetura dos jesuítas no Brasil. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n.5, 1941. p. 9-100.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capelas antigas de São Paulo. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n.5, 1941. p. 105-20.
PETRONE, Pasquale. Aldeamentos paulistas. São Paulo: Edusp, 1995.

sexta-feira, 9 de março de 2012

SÃO MATEUS NAS PÁGINAS DE CULTURA DO ESTADÃO, VIVA!

Por Moisés Basílio Leal

        Sinais do tempos? Um cantor e compositor de S. Mateus - Zona Leste - Rodrigo Campos lançando seu segundo CD "Bahia Fantástica", é matéria de capa do caderno "D - Divirta-se" do jornalão O Estado de S. Paulo.

         Cansei de mandar cartas para as seções de leitores dos jornalões paulistanos protestando contra o descaso das coberturas jornalísticas, que sempre omitem a cultura produzida na periferia da cidade, como se a cidade só produzisse cultura na sua parte central e áreas nobres.

          Um exemplo disso é a pífia cobertura que a imprensa paulistana faz do carnaval da cidade. Só noticiam as escolas do grupo especial e ignoram a grande festa que acontece por toda cidade. Cada vez mais há um carnaval popular florecendo nas ruas de S. Paulo. São vários os blocos carnavalescos, as bandas e uma infinidade de pequenas escolas de samba. E mais, o carnaval não acontece só nos quatros dias de folia, mas há toda uma programação que atravessa o ano. 

          Como S. Mateus é um quebrada vizinha à minha quebrada de Sapopemba, que também tem um intenso movimento cultural, muito me alegra ver nosso pedaço na grande mídia e espero que não seja algo pontual, mas um nova tendência da nossa impressa. Abrir os olhos para o novo e superar os preconceitos de ver a cidade só por um viés. Viva as diversidades de nossa cidade.

DICA: O primeiro trabalho em CD do Rodrigo Campos foi álbuns "São Mateus não é um lugar assim tão longe", e pode ser ouvido em: http://www.radio.uol.com.br/#/volume/rodrigo-campos/sao-mateus-nao-e-um-lugar-assim-tao-longe/17972 
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Fonte: Jornal O Estado S. Paulo, por Daniel Telles Marques, em 09/03/2012, http://migre.me/8epCM

Rodrigo Campos vai de São Mateus à sua ‘Bahia Fantástica’ e entra com tudo para os grandes da música brasileira

Ele é o autor de um dos discos mais aguardados de 2012, que chega às lojas este mês. Enquanto espera, conheça melhor a vida e a carreira de Rodrigo Campos

O músico Rodrigo Campos - Felipe Rau/AE
Felipe Rau/AE
O músico Rodrigo Campos
Você conhece o sujeito da foto aí ao lado? Ele é Rodrigo Campos. Não é tão conhecido a ponto de ser famoso, mas também não é um completo estranho na cena musical de São Paulo. Rodrigo é um dos artistas mais bem falados de sua geração.
Compositor dos bons, cavaquinista e violonista dos melhores, chegou ao segundo álbum da carreira, Bahia Fantástica, com uma façanha que ultrapassa a qualidade estética do disco. Reuniu nele outros músicos do mesmo quilate que o seu por pura admiração dos colegas. Conseguiu, em três anos, desde o lançamento de São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe, em 2009, o reconhecimento de muita gente. E, também por isso, merece as páginas a seguir - e a sua atenção.
Seleção natural

Foi-se a luz e as três campainhas liberaram a entrada de Rodrigo Campos no palco do teatro da Sala Guiomar Novaes, na Funarte. Camisa florida, boina inexorável e violão modernoso embaixo do braço. Era a primeira vez em mais de um mês que fazia um show só seu, apenas com composições próprias.
Não que estivesse em ócio criativo: terminara a gravação do segundo disco, buscava algum selo para lançá-lo, organizava uma sessão de fotos para o novo álbum, coordenava projetos de shows e continuava se apresentando quase toda semana, fosse na roda de samba no Ó do Borogodó; com Kiko Dinucci, Marcelo Cabral e Romulo Fróes na banda ‘Passo Torto’ ou em outras incursões.
Rodrigo faz parte de uma geração de artistas que não se limitam à própria criação. Está aqui e acolá numa cena musical profícua e articulada. Por isso, consegue se apresentar mais do que o normal entre músicos do mesmo porte. Se Cabral não pode estar no Sambanzo, lá vai ele com seu violão e cavaquinho para substituí-lo com novos arranjos para as músicas, acompanhando as levadas de Thiago França no sax. Às vezes, se apresenta com Romulo Fróes e pode acontecer de tocar com a mulher Luiza Maita, fazer uma participação no show de Criolo ou em um dos outros projetos de Kiko.
Há entre eles um acordo tácito de escambo artístico. A flexibilidade musical e o talento deram a Rodrigo um bom poder de barganha. Reconhecido pela habilidade e estilo peculiar (no violão e no cavaquinho), o músico gravou com Romulo Fróes o Labirinto em Cada Pé e está na produção do próximo disco do compositor; produziu algumas faixas do Sambanzo; emprestou o cavaquinho e a percussão ao Nó Na Orelha, de Criolo, com produção de Marcelo Cabral; e ao disco homônimo do Metá Metá, entre outros.
Quando se refere a este núcleo, Rodrigo faz questão de falar da proximidade deles, de como foi a vivência a responsável pela cooperação artística - e não o contrario.
Panela aberta
O primeiro com quem tocou, ainda que a amizade só viesse a se consolidar em 2008, quando montaram a Gafieira Nacional, foi Thiago França. Rodrigo acabara de voltar de uma série de apresentações com o clarinetista Paulo Moura em 2004 e era o cavaquinho que levava os sambas no projeto Teatro Samba do Caixote. Thiago fora substituir o saxofonista do grupo e, enquanto ensaiavam no camarim, ouvira Rodrigo fazer um pequeno solo no instrumento. Pediu que ele repetisse a melodia no palco, Rodrigo tentou declinar (não gosta de solar, diz não se sentir confortável) e ouviu Thiago emendar de pronto: “Você não foi o cara que tocou com o Paulo Moura? Sola aí!”. E Rodrigo solou.

Marcelo Cabral ele conheceu quando lançou o primeiro disco São Mateus não é Um Lugar Assim Tão Longe, em 2009. Durante a turnê de lançamento do disco, Cabral substituiu o violonista oficial da banda. Foi tão preciso, que tomou o posto para si. Estreitaram laços na fossa amorosa quando, no mesmo período, os dois terminaram namoros longos.
Numa roda de samba, em 2009, ele substituto do cavaquinista e Kiko o do violonista, tocaram juntos sem sequer se apresentar, acompanhando harmonias de improviso em sambas de Itamar Assumpção, Wilson Moreira e cadências menos famosas de João Nogueira e Paulo Vanzolini. Sentaram-se juntos depois do show e de lá a amizade segue.
O burburinho causado por ‘São Mateus...’ fez Romulo ir em busca de Rodrigo. Mesmo vendo no palco um show morno, conta Rômulo, percebeu nas músicas o talento de compositor. Cumprimentou-o friamente ao final da apresentação e, depois de alguns encontros, decidiram trabalhar juntos.
Só no final de 2010, começaram a se organizar. Segundo Thiago, entre o carnaval, a copa e as eleições, os shows minguaram. Decidiram se juntar e inventar projetos. Sambanzo, Marginal, Metá Metá e o Passo Torto nasceram como idéia nessa época, ele conta. Menos de um ano depois, os projetos já tinham virado bandas e discos.
Em três anos e poucos meses, Kiko, Marcelo, Romulo e Rodrigo já gravaram um disco de sambas cadenciados e quebrados com o Passo Torto e, com Thiago, entrecruzaram-se em composições e produções de álbuns. Almoçam juntos pelo menos uma vez na semana ou se encontram para um chope, frequentemente no Sabiá. Em comum têm, principalmente, o samba e a maneira como se apropriam dele.
Foi-se o samba

O samba continua na essência de suas composições, no modo de escrever as canções, mas diluído em influências que vão de Curtis Mayfield a Funkadelic aos 12, o violão veio pouco depois. Aos 14 era o Rodriguinho, que tocava com Tocão do Banjo e Tim Maia, conta Everson Pessoa, músico do Quinteto em Branco e Preto, amigo de Rodrigo em São Mateus. Aos 20, em 2000, quando começou a estudar música na Fundação das Artes, em São Caetano do Sul, abriu-se o leque de influências.

Ele afirma não se sentir confortável no rótulo de sambista. “Sou muito moderninho para os sambistas e pouco moderno para quem se diz moderno”, costuma dizer rindo. “Sou um bom instrumentista, posso tocar quase tudo de Cartola, mas não me sinto um sambista”.

Atualmente, diz se identificar com as sonoridades de Curtis Mayfield (tocará o ‘Superfly’ inteiro em um show no segundo semestre) e Funkadelic - apesar de conhecê-los há pouco mais de um ano, como contou Thiago, responsável por lhe apresentar os artistas usados como referência nas gravações e composições do seu segundo disco. “O Rodrigo tem uma lacuna de referências”, revela Kiko, “mas tem também uma curiosidade incrível.” Rindo, Romulo lembra de quando mostrou Joy Division a Rodrigo. “Cara, imagina conhecer Ian Curtis depois dos 30 anos? É um privilégio.”

Fã de quadrinhos e filmes italianos, descreve cenas de um modo tão próprio que parece ter sido ele o inventor das sequências e personagens. Gosta de explicar ambições estéticas a partir de estilos cinematográficos. Planos prolongados, cenas de silêncio e afins, são justificativas que parecem elaboradas para ele mesmo. Fala do silêncio dos filmes de Michelangelo Antonioni e de como pensa em compor assim, com cenas prolongadas e intervalos dramáticos.

“Um dia ele colocou na página dele na Trama que tinha influência de Pollock!”, conta Romulo. “Eu disse, ‘que Pollock, mano?! Tira isso’. Ele me explicou que viu o filme (Pollock, 2000) e a coisa da arte nascer ali, espontânea como a tinta no chão, tinha a ver com o jeito dele de criar. ‘Não viaja, Rodrigo, aquilo é filme, Hollywood. Pollock não é assim.” Contrariado, ele tirou o nome do artista do seu perfil. Com ou sem expressionismo abstrato, todos elogiam sua capacidade de narrar.

Histórias em miniatura

Em ‘Califórnia Azul’, música do primeiro disco, constrói em três versos todo um capítulo da história de amor que narra. Da compra da arma à decisão de matar o bandido do bairro, namorado da menina por quem seu personagem se apaixonou.

Crescer em São Mateus formou seu comportamento e suas referências mais profundas. Educado, tem a fala mansa e uma paciência monástica. “Lá em São Mateus não podia chegar nos lugares falando alto, cumprimentando todo mundo aos gritos, senão batiam no seu peito para perguntar que história era aquela. Tinha que chegar na cautela”, explica.

Costuma observar antes de tecer comentários e está atento a detalhes de situações - seja um aperto de mão diferente ou o modo de falar de quem está por perto. Demonstra insatisfação com um silêncio profundo e demorado - às vezes acompanhado de um riso com o olhar fixo no interlocutor, que precede um comentário (sempre polido) de desaprovação do fato.

Noutras, apenas se retira do ambiente para não se indispor com alguém. “Uma vez, no Ó do Borogodó, Rodrigo ficou pedindo correções no som durante a passagem. Pedia, pedia e o cara não acertava. Aí ele se levantou, virou, colocou o cavaquinho no banco e saiu andando”, lembra Kiko, reencenando o episódio.

No palco, parece um Charlie Brown malandro, de camisa com dois botões soltos à altura do peito, pelos à mostra e uma timidez perceptível.

Da periferia, manteve a biografia, que não carrega ou evoca evidentemente, a não ser quando perguntado sobre o período Em São Mateus. Vivendo em Pinheiros, diz que só recentemente começou a se sentir mais parte da cidade. “Quando saí de São Mateus, percebi o quanto aquele lugar fazia parte de mim”. Deixou definitivamente o bairro em 2003, no mesmo período da prisão do irmão, condenado por roubar carros. Efetivamente, já não estava por lá desde 2000, quando começou a estudar na Fundação das Artes em São Caetano do Sul e a passar temporadas na casa de uma ex-namorada, na Mooca.

Gosta de caminhar por São Paulo, ir de metrô aos lugares (recusou a oferta do carro da reportagem duas vezes) e circular pelo bairro como andava intimamente pela periferia. Na San Siro, panificadora das redondezas, pede pão francês na chapa e uma média no balcão. “A coxinha daqui também é boa, com a casca durinha e sequinha como era lá em São Mateus.”

Personagem fantástico

Os contrastes na personalidade aparecem nos temas aos quais se dedica e como os apresenta. Nas suas canções, o jeito manso é usado para tratar de assuntos agressivos. Morte e violência (física, psicológica e social) são recorrentes. Aos 34 anos, aproximou a morte de si mesmo, preocupado com a finitude e o sentido da vida. Ainda que tenha cantado sobre mortes em ‘São Mateus...’, fez a partir do que viveu quando morou no bairro, como observador e cronista. ‘Bahia Fantástica’, título de seu novo disco, traz a sua percepção, desta vez mais íntima, sobre o assunto. “O que é morrer? É só acabar? Essa morte no ‘Bahia Fantástica’ pode ser metafórica. Como algo que termina.”

Quando perguntado sobre suas composições, é quase didático nas explicações, mesmo com as constantes ressalvas de que “cada pessoa pode entender o que quiser” de suas músicas. Exemplifica intenções citando os próprios versos. Explica como ofereceu a Bahia aos ouvintes com os versos de ‘Cinco Doces’. E sabe usar sua capacidade criativa como argumento para as possíveis acusações de conhecimento restrito sobre o cenário inventado do disco. Da Bahia, de fato, sabe dizer dos dez dias de estadia em Itapuã, bairro de Salvador; das canções sobre o estado e de ‘Capitães de Areia’, único livro lido de Jorge Amado. “Não falo de uma Bahia geográfica, mas de uma Bahia subjetiva, metafórica. Ela é um lugar que eu inventei. Não é pesquisa, é arte”.

Hoje (9) - Toca com Marcelo Cabral, Kiko Dinucci, Thiago França e Pimpa, no Ó do Borogodó, a partir das 22h.
Domingo (11) - Faz show com mais de 50 artistas no Teatro Oficina, 17h.
Sexta (22) - Toca com Romulo Fróes no Sesc Consolação, 21h.
Domingo (1/4) - Desta vez, se apresenta com o Passo Torto no Sesc Itaquera.
Quinta (31/5) - Show de lançamento do ‘Bahia Fantástica’ no Sesc Vila Mariana.