domingo, 27 de abril de 2008

As memória sentimentais de São Paulo

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - domingo 28/04/2008 - Caderno 2

Livro mostra Adoniran como o guardião afetivo de uma cidade sem esperança

Francisco Quinteiro Pires

Adoniran Barbosa está mais vivo do que nunca. A atualidade do compositor (1910-1982) é o retrato que se encontra em A Cidade, A Noite e O Cronista (Edusc, 190 págs., R$ 25). É um painel no qual aparece o sambista que cantou a cidade de São Paulo com graça e criatividade, e que está mais identificado com as comemorações dos 450 anos da cidade, feitas em 2004 e cujo símbolo foi o coração acolhedor da diversidade, do que com o IV Centenário (1954), quando vigorou a crença no progresso. Professora da PUC-SP, a autora Maria Izilda Santos de Matos diz que a permanência do músico deve ser analisada logo, e não somente a inevitável identificação que se faz entre Adoniran e as mudanças no espaço urbano de São Paulo no século passado.

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Maria Izilda transformou Adoniran em objeto de estudo porque vislumbrou nas composições dele uma denúncia dos aspectos da realidade encobertos pelo discurso oficial: as cidades invisíveis dentro da cidade. Denúncia feita por meio do humor peculiar de Adoniran: à melodia alegre se aliavam letras ora tristes, ora líricas, ora jocosas. São Paulo não é só progresso, modernidade e trabalho. Para a professora, o que interessa é recuperar a memória do espaço onde as pessoas trocam sentimentos e vivem experiências. Apesar da sanha infalível de destruir e construir, as ruas estão cheias de lembranças. As paisagens sonoras guardam as paixões e sensibilidades ignoradas pela historiografia oficial. Maria Izilda propõe uma 'arqueologia social e sentimental da cidade' quando estuda a música de Adoniran e a sua vida boêmia.

'Quando escurecia, aí é que eu gostava. Na noite, sim, eu começava a viver', ele afirmava. Adoniran seguia o conselho de Lupicínio Rodrigues: 'É na noite que se faz música, que se diz poesia com mais intensidade e onde, enfim, o amor é mais amor.' A vida dissipada em bares durante a madrugada, na qual Adoniran recolhia material para sua arte entre conversas fiadas e goles da branquinha, atualmente se transformou em negócio, segundo Maria Izilda. 'Hoje a boemia é diferente: é entretenimento, recebe investimentos.' Essa mudança se deu a partir dos anos 1980: a polaridade entre o dia (sinônimo de trabalho) e a noite (durante a qual se podia procurar o repouso ou o descaminho) sofreu um bombardeio. Embora ainda seja o espaço do perigo e da violência, onde se devem ter certos cuidados, a noite perdeu alguns dos elementos negativos, ao ser estetizada e transformada em comércio. 'A Virada Cultural, realizada neste fim de semana pela Prefeitura, mostra a mudança na relação com a noite', diz.

'O mais perfeito repórter dos bairros pobres', na definição do ator e compositor Mário Lago, tem papel fundamental numa cidade em constante e acelerada mutação: ser o guardião da memória afetiva da gente e das ruas paulistanas e crítico afiado das fraturas sociais, aprofundadas no começo do século 21. Para a professora, a memória é tema central, ligado ao futuro da humanidade. 'Hoje se trava uma luta tecnológica em busca de memória, seja no celular, seja no computador.' Ela lembra que o projeto genoma, os conflitos étnicos e o mal de Alzheimer são provas de que a faculdade de lembrar o passado é primordial na contemporaneidade. Nas suas canções, Adoniran antecipou as problemáticas - ainda atuais - de uma São Paulo que 'a cada década se consome em nome do progresso, destruindo a sua memória'.

'Saudosa Maloca poderia ser o hino dos sem-teto de hoje', diz Maria Izilda. Composta em 1951, Saudosa Maloca fez sucesso quando foi gravada pelo grupo Demônios da Garoa, quatro anos depois, ao lado de Samba do Arnesto (parceria com Alocin). Segundo a versão mais difundida, Adoniran narra na letra a história de três carregadores de sacola em feiras que dormiam no antigo edifício do Hotel Albion, na Rua Aurora (centro). 'Ele era um flâneur, saía pela cidade escutando as pessoas, o seu falar errado e os seus sotaques', ela diz. Captava os dramas cotidianos do povo. O narrador de Saudosa Maloca é o Corintiano que pede licença para falar da experiência dele, do Mário (transformado em Joca para rimar com maloca) e do Mato Grosso diante da demolição do lar onde moravam. 'Que tristeza que eu sentia/ Cada tauba que caía doía no coração.' Enquanto isso, a Prefeitura comemorava os 400 anos da cidade, celebrando o espírito bandeirante na obra de Victor Brecheret - o Monumento às Bandeiras -, em frente do Ibirapuera, considerado um parque monumento em homenagem ao progresso da cidade 'que mais cresce no mundo'.

Adoniran Barbosa desconfiava do processo civilizatório e do desejo de modernidade que impregnavam a ideologia dos administradores públicos. Dizia que o 'progresso enfeou a cidade e endureceu as pessoas'; achava que não era preciso destruir tanto. Para afirmar-se diante das constantes mudanças e zombar do lado negativo do desenvolvimento, em 1953 ele compôs Conselho de Mulher com Osvaldo Moles e João Belarmino dos Santos. Esse samba parece uma exaltação ao progresso, mas tem um breque no fim, cheio de ironia, que muda todo o sentido. O letrista critica o tempo perdido na boemia e promete pegar no batente no dia seguinte. 'Agora escuitando os conseio da mulhé/ Amanhã vou trabaiá/ Se Deus quisé/ (breque) Mas Deus não qué.'

'O compositor é esse sujeito histórico que percebe os elementos presentes entre o imaginário e os sentimentos das pessoas', diz Maria Izilda. É o caso de Triste Margarida (ou Samba do Metrô) e Iracema. Margarida se interessa por um sujeito depois de saber que ele era engenheiro do metrô, meio de transporte representativo da expansão urbana. De repente, ela descobre que o amado é um trabalhador braçal, que mentiu para conquistar-lhe o coração: ela seria a primeira passageira na inauguração da obra. 'Hoje fiquei sabendo o que ela é/ Orgulhosa, convencida/ Não passa de uma triste Margarida.' Em Iracema (1956), o lirismo de tintas antilíricas de Adoniran Barbosa chega ao auge, ao contar a história de uma mulher (a Iracema), que morreu atropelada por ter atravessado sem olhar para os dois lados da rua. Faltavam 20 dias para o casamento. 'Você travessô a São João/ Vem um carro, te pega/ E te pincha no chão.' Fala-se da violência urbana, agravada pelo problema crescente do trânsito, e da solidão na metrópole. 'Essa e outras situações transformaram São Paulo numa questão insolúvel.' Para a qual, hoje, parece não haver uma esperança.


ADONIRAN BARBOSA: Ele nasceu João Rubinato em 1910, em Valinhos, interior do Estado. Adotou o pseudônimo Adoniran Barbosa inspirado no amigo e funcionário dos Correios Adoniran Alves e no sambista Luís Barbosa. Ao trabalhar no centro, passou a fazer a ronda nas emissoras de rádio, onde se apresentava como calouro. Sendo sempre reprovado, por causa da voz. Entrou de vez na vida artística ao se tornar humorista em programas radiofônicos. Essa carreira influenciaria a de compositor. Seria parceiro de Vinicius de Moraes, Hilda Hilst, Eduardo Gudin, Hervê Cordovil, Osvaldo Moles, etc. Entre os vários tipos que encarnou, o mais famoso foi Charutinho, criação de Moles e protagonista de Histórias das Malocas, nos anos 1950. Trabalhou em filmes e novelas; fez comerciais para a TV. A carreira musical decolou com as interpretações lúdicas dos Demônios da Garoa. Em 1980, ele foi homenageado com o disco Adoniran Barbosa - 70 Anos. Elifas Andreato fez para a capa o desenho de um palhaço choroso (foto ao lado), mas o diretor da gravadora Odeon disse que Adoniran não entenderia. Fez-se um Adoniran mais sóbrio, de gravata-borboleta. Meses depois Adoniran diria: 'Elifas, eu sou esse palhaço triste aqui, e não o alemão que você pôs na capa do disco.' O capista afirma nunca ter sentido tanta vergonha, por ter subestimado um artista. Ele morreu em 1982.

terça-feira, 22 de abril de 2008

II FÓRUM DISTRITAL DE SAPOPEMBA

Endereço para contato: email ciaatoresurbanos@hotmail.com


Dia 28 de abril - domingo - Na EMEF Rodrigues de Carvalho

CONJUNTO MAL. MASCARENHAS DE MORAES

Tema: Juventude – Identidade Cultural


Objetivo geral: Conscientização do meio em que vivemos, através da arte, resgatando a memória do bairro.

Aspecto: Valorizar a linguagem cultural do Jovem.

Técnica: Teatral, Superação, Participativa e Inclusiva.

Responsável: CIA Atores Urbanos

Programação

14:00 horas – Credenciamento e inscrição

14:15 horas – Acolhimento e Abertura

14:30 horas – Comissão de Cultura Jovem

14:55 horas – Encaminhamentos às Oficinas de:

- Desenho

- Literatura

- Música

- Teatro

15:00 horas – Grupos Temáticos – Quem somos?

15:45 horas – Intervalo e lanche

16:05 horas – Grupos Temáticos – O que queremos fazer?

16:50 horas – Finalização das propostas

17:00 horas – Apresentação dos resultados

17:25 horas – Encerramento e informações sobre o próximo evento.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

História do nosso bairro- o presente conversando com o passado

"Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'como de fato foi'. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar um imagem do passado, com ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeto histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominates, como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois o Messias não vem apenas como salvador; ele vem também como o venceder do Anticristo. O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer. " Walter Benjamin

Neste ano de 2008, o Conjunto Habitacional Marechal Mascarenhas de Moraes estará completanto 40 anos de existência. Por que comemorar? O que comemorar? Como comemorar? Para que comemorar?
Será a partir dessas questões que esse blog será construído. O objetivo será o de estabelecer um diálogo do presente com o passado e nessa interlocução, de forma crítica, responder as questões postas para as gerações de mulheres e homens que fizeram suas histórias nesse sítio situado na periferia da zona leste da cidade de São Paulo. Moisés Basílio